quinta-feira, 16 de junho de 2011

Geração Álcool Gel

Crônica publicada no Jornal Artefato, junho de 2011.

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Narlla Sales

Em uma conversa curta, momento em família, sentou-se ao meu lado o Felipe, um garoto de 9 anos. Na tentativa de tocar o universo dele e fazer sair dali uma conversa entre nós, perguntei o que ele havia pedido de presente aos pais no dia do aniversário. Para a minha surpresa, Felipe sacou do bolso um celular que berrava um som confuso, barulhento e palavras de conotação sexual, com batidas fortes. Mas, o que chamou atenção foi a tecnologia do aparelho. Bota inveja em muito adulto!

Voltando à conversa, Felipe disse que, do pai, queria muito um modelo de tablet que ainda não estava disponível no Brasil; da mãe, gostaria de algumas peças de roupa e adereços importados, especialmente uma jaqueta de couro como a do Chris, da série “Todo mundo odeia o Chris”.

A partir dessas informações, busquei saber quais eram as principais atividades escolhidas por Felipe para se divertir. Sim, o garoto não joga futebol, nunca quebrou um osso sequer de sua jovem estrutura e raramente desfruta dos raios solares. Ele também não gosta de ler e tem horror a telejornais. Sim, Felipe faz parte da geração álcool gel. Não se suja, não se relaciona além da rede. Está crescendo sem os prazeres que, na minha jovem geração, fez com que descobríssemos as grandes sensações da vida. O amor, a dor, a sujeira, a coceira, a dor do mertiolate, a repugnância de alguns legumes e verduras. Tudo limpinho, tudo cheiroso, tudo em ordem, sem conflitos, mas também sem profundidade.

Ah, que saudade do Bozo! De dançar lambada na frente dos parentes, de costurar as roupas das minhas bonecas, de descer ladeira abaixo em cima de um carrinho de rolimã. Sim, a bandeirinha, o pique-pega. Nenhum aplicativo de Orkut ou Facebook é comparável à sensação de fechar os olhos por 30 segundos e gritar: lá vou eu!

E quem não se lembra da rosca com baré depois da aula? Sim, é claro que sobrava espaço para o almoço. Para isso, no entanto, não era preciso ter uma Second Life. Talvez o jovem Felipe conheça a fascinação do mundo virtual, mas desconheça a beleza do relacionamento humano, da briga, do abraço, do suor que selava o perdão. Talvez a geração dele, se não cuidarmos – pois também é nossa responsabilidade – desconhecerá os valores da lealdade, amizade, aceitação e honestidade.

O chiclete era Ploc, a piada era a do Chaves, a música era super fantástica!, e o mundo era bem mais divertido. A vida era minha, sua, de cada um. Para ser aceito, não precisávamos ter 1 milhão de amigos, mas só a turma lá da rua. Sim, e a gente aprendia que era preciso respeitar os mais velhos, decorar o Hino Nacional e pedir a bênção antes de dormir.

Sejam bem-vindos à Geração Álcool Gel!

11 comentários:

Caco disse...

A nossa geração é a coca-cola? rs

Anônimo disse...

Narlla,
Parabéns pelo fôlego de escritora precoce! Continue escrevendo, sempre!
Fraternalmente,
Paulo Aires

Narlla Sales disse...

Digamos que sim, Caco. Rs.

Paulo... Você é uma referência. Obrigada!
;-)

Unknown disse...

De fato a cada dia que passa fica mais fácil nos distanciamos das gerações n, net, y, xpto, rssss.

Porém, nós brasileiros, temos todas as classes sociais o que promove as diversas gerações interagindo. Explico: meu sobrinho também está viciado em tecnologia e futebol europeu, mas convive com jovens (13/14 anos que sequer sabem o q é Facebook ou pra que serve o Twitter).
Convivo ainda com quem até lê e-mails, mas não interage (não é geração web 2.0 como estou fazendo agora).

Para quem tem a Vocação (T) de conviver com jovens é um desafio e tanto. =]

Excelente Crônica!!
Parabéns!!

Ícaro de Souza disse...

Nossa que belo texto Narlla! Víamos TV Colosso, Carrosel, HeMan, Caverna do Dragão, Power Ranger's, Cavaleiros do Zodíaco, colecionava álbum de figurinhas, comia Kinder Ovo há 1 real (e ficava ancioso pra ver qual era o brinquedo), Jogava Bet, fazia Casa na Árvore, quebrava Dente, Machucava todo, Empinava Pipa, Corrida de Tampinha e inúmeras recordações que temos de dar Graças a Deus por nos ter proporcionado a Bela Infância que tivemos e que atualmente muitas crianças não têm! Fica a reflexão que foi invocada!
Fique com Deus
t+

Luciana disse...

É.. eu lembro da rosca com baré depois da aula, e em todo tempo se deixassem,rsrsrs

Quero dizer uma novidade: amei o post!!!rs

Patrícia disse...

Narlla,

Gostei muito da crônica.

Realmente, as coisas da década de 80, quando éramos crianças, deixam saudades.

E era um tempo também em que os pais respeitavam e apoiavam os professores e educadores. É triste hoje ver tantos pais desrespeitando esses profissionais enquanto seus filhos fazem de tudo na escola...

Enfim...

bjs
Pati

Unknown disse...

Que lindo... Vou usar na minha festa de 30 anos e sem pedir licença... =p bjos... É sempre um prazer ler seus textos!!

Alberto dos Santos disse...

Tenho quase 20 anos, e realmente fico indignado com os acontecimentos de alguns anos atrás. Realmente a "cultura"(se é que pode ser chamada assim), mudou...
Os jovens de 14 a 18 de hoje, não querem mais, ou melhor, não desejam mais o conhecimento dominado. Onde o que diziamos era entendido e analisado, hoje só se é ouvido, e se for engraçado ou motivo de "ícone" é seguido. Espero que consiga criar, quando tiver um filho, do mesmo jeito que eu fui criado, onde a informação transparente sempre prevaleceu, e o desejo de saber o que realmente nos traz "prazer" existe.
Muito bom o texto, muito, muito bom mesmo, o texto!
Um abraço

Anônimo disse...

Parabéns pelo texto, Narlla!

Continue nos fazendo refletir!

Paz e bem,

Fernanda

Anônimo disse...

Engraçado! Se eu tivesse batido a cabeça e desmaiado, diria que fui eu quem escreveu este texto. Essa redação retrospectiva está perfeita parabéns!

http://icanttolie.blogspot.com/